O VELHO
Sou de rotinas. Rotinas que para uns me fazem chato e para outros metódico. Caminhar ao amanhecer pelas ruas da cidade desperta cores em uma tela que a cada hora se ilumina. O branco e preto da noite, com seus escuros e suas lâmpadas claras, vão pouco a pouco dando lugar ao colorido do dia iniciado pelo laranja do sol que nasce. Sentado ali, no banco, sempre no mesmo banco, nos jardins da praia, estava pontualmente as 5:45. Não era o banco com vista para o mar e nem para a praia, era o de vista para a avenida, para os ônibus, carros, motos e transeuntes. Sua mente estava mais com as pessoas do que com a natureza que deixamos para trás quase morta. Magro, alto, ereto, roupas simples e um boné. Um jornal dobrado sob as nádegas espantava o frio em dias de inverno. Mesmo nos dias chuvosos não mudava seu hábito, e o guarda-chuva e a capa, deixava relativamente seco o seu corpo. Esse senhor fazia parte da minha paisagem. Era como um monumento, uma estátua, uma árvore e em minhas caminhadas diárias eu era saudado com o seu bom dia. Bom dia! Respondia-lhe. Que calor, que chuva, que frio, quaisquer exclamações, para proporcionar um diálogo com mais de duas frases. Todo dia era sim, antes das 5:30 não estava, depois das 6:15 também não. O tempo exato, da certeza do encontro era 5:45. Dia sim, dia não, dia impar ou par, estava sempre lá. Um dia não estava mais. No outro também não, nem o próximo, ou tampouco o seguinte. A paisagem foi alterada. Com uma árvore derrubada, um muro trocado de cor, uma via que mudou a direção, não estava mais o velho do banco. Não sei se vive, ou se morreu. Doente? Talvez, esteja internado. Mudou-se? É possível. Quem sabe. Pode ser que tenha ido morar com a filha, que nem sei se havia, quem sabe estava em um desses asilos fétidos a urina, que servem de depositários de corpos que ainda respiram. Não sei se existiam filhos, mulheres, amores ou dores. Não sei nada sobre ele. Devia ter indagado, ocupado meu tempo com algumas charlas matinais. Podia ter sido seu amigo, podia estar agora sentido falta dos nossos encontros em algum café da cidade aonde dividiríamos as experiências de uma existência chata e um café gostoso. Mas era somente um elemento da paisagem como uma árvore ou poste, falando bom dia, todos os dias. Mas a paisagem, as coisas, os sentimentos, os saberes somente nos pertencem quando os percebemos, e a percepção do velho sentado no banco de um jardim na praia, tornou-o parte de mim. Sinto falta do seu bom dia. fico tenso e amargurado, triste até. Será que algum dia farei falta a alguém? Será que um dia alguém sentirá falta do meu bom dia? Mesmo eu sendo apenas, talvez, mais um velho qualquer, sem nada a fazer, apenas desejando o bom dia para alguns coitados necessitados de um dia realmente melhor. Ficaria sentado acenando para pseudo conhecidos? Cumprimentaria desconhecidos hoje, para me serem amigos amanha? Aonde será que anda esse velho de boné? Será que agora acorda tarde e eu não mais encontro? Casou? Mudou? Morreu? Aonde está o velho? Pergunto ao guarda-vidas da praia. Ao guardinha, a moça que passeia com o cachorro. Ninguém sabe, ninguém viu. Que velho? Falam uns. Acho que o vi ontem, dizem outros. Mentira! Se eu não vi, ninguém viu. Sigo rotinas, elas não falham. Sempre as 5:45. Cadê o velho? Não fala assim me recrimina a moça por volta dos seus 40. Não é velho. É uma pessoa da melhor idade. Ou então é um senhor idoso. Seja mais respeitoso! E desde quando ser velho é desrespeito a alguém. Envelhecemos! Sempre envelhecemos. A cada dia e a cada momento! E qual o problema disso? Parece-me que quando chamamos o velho, de senhor da melhor idade estamos tentando, nós mesmos, fugir da velhice inexorável que nos afasta da eterna juventude inexistente. Que mal há em ser velho? O velho lobo do mar, o velho filosofo, o velho mestre, a velha anciã. E como seria o título: “ O Velho e o Mar” do Hemingway? Só de pensar me sinto ridículo. Por que não que aceitar a idade que chega seja algo bom ou ruim? amiúde envelhece-se. As expressões carrancudas de hoje são as rugas de amanhã. Por que não sorrir mais? O medo de envelhecer e de morrer é o esquecimento do viver. O espelho mostra o retrato diário dos cabelos brancos, dos dentes agora escondidos, e os sorrisos luminosos ficam raros e amarelos e por vingança as rugas passam a fazer parte da fotografia. Esquecer de viver traz de presente cabelos brancos e rugas. Quantas doenças já foram, quantas ainda virão? Quantas tristezas? Sempre tão maiores que as alegrias. Por quê? Esqueça a doença, esqueça a tristeza e viva! Deixe as pequenas alegrias serem grandes. Os carros e casas, dinheiro e bens dão certa felicidade pois a percepção permite ter por um breve e ínfimo instante capturados na mente os carros, casas dinheiro e bens. Mas a primeira volta pelo quarteirão o carro já não é mais novo. A casa nova já já vai precisar de tinta e de repente o dinheiro no banco acabou. Não quero ter nada disso, não quero ocupar minha percepção de algos tão efêmeros. Prefiro ter em mim muitas alvoradas e crepúsculos, muitos amores, muitos odores e sabores. Quero sentir na pele e em mim a capacidade de a cada dia receber novos saberes, novas habilidades. Emily dickinson disse: “ o meu cérebro é mais amplo que o céu, pois ele o contém com você ao lado”. Quantos velhos de 80 ou 20 anos esquecem de viver? Quantas gentes pararam de perceber e sentir?
Enfim, procuro a cada dia e não encontro o velho. Aonde está o velho de boné? Preciso me acostumar com a nova paisagem, com a nova rotina, preciso aceitar as novas percepções os novos sentimentos. Não aceito. Não gosto, não quero. Acho que estou ficando velho. Ei olha lá acho que já vi essa gaivota por aqui antes!
LUIZ ARIAS