by LUIZ ARIAS

larias@usp.br

sábado, 30 de setembro de 2023

O velho

 O VELHO

Sou de rotinas. Rotinas que para uns me fazem chato e para outros metódico. Caminhar ao amanhecer pelas ruas da cidade desperta cores em uma tela que a cada hora se ilumina. O branco e preto da noite, com seus escuros e suas lâmpadas claras, vão pouco a pouco dando lugar ao colorido do dia iniciado pelo laranja do sol que nasce. Sentado ali, no banco, sempre no mesmo banco, nos jardins da praia, estava pontualmente as 5:45. Não era o banco com vista para o mar e nem para a praia, era o de vista para a avenida, para os ônibus, carros, motos e transeuntes. Sua mente estava mais com as pessoas do que com a natureza que deixamos para trás quase morta. Magro, alto, ereto, roupas simples e um boné. Um jornal dobrado sob as nádegas espantava o frio em dias de inverno. Mesmo nos dias chuvosos não mudava seu hábito, e o guarda-chuva e a capa, deixava relativamente seco o seu corpo. Esse senhor fazia parte da minha paisagem. Era como um monumento, uma estátua, uma árvore e em minhas caminhadas diárias eu era saudado com o seu bom dia. Bom dia! Respondia-lhe. Que calor, que chuva, que frio, quaisquer exclamações, para proporcionar um diálogo com mais de duas frases. Todo dia era sim, antes das 5:30 não estava, depois das 6:15 também não. O tempo exato, da certeza do encontro era 5:45. Dia sim, dia não, dia impar ou par, estava sempre lá. Um dia não estava mais. No outro também não, nem o próximo, ou tampouco o seguinte. A paisagem foi alterada. Com uma árvore derrubada, um muro trocado de cor, uma via que mudou a direção, não estava mais o velho do banco. Não sei se vive, ou se morreu. Doente? Talvez, esteja internado. Mudou-se? É possível. Quem sabe. Pode ser que tenha ido morar com a filha, que nem sei se havia, quem sabe estava em um desses asilos fétidos a urina, que servem de depositários de corpos que ainda respiram. Não sei se existiam filhos, mulheres, amores ou dores. Não sei nada sobre ele. Devia ter indagado, ocupado meu tempo com algumas charlas matinais. Podia ter sido seu amigo, podia estar agora sentido falta dos nossos encontros em algum café da cidade aonde dividiríamos as experiências de uma existência chata e um café gostoso. Mas era somente um elemento da paisagem como uma árvore ou poste, falando bom dia, todos os dias. Mas a paisagem, as coisas, os sentimentos, os saberes somente nos pertencem quando os percebemos, e a percepção do velho sentado no banco de um jardim na praia, tornou-o parte de mim. Sinto falta do seu bom dia. fico tenso e amargurado, triste até. Será que algum dia farei falta a alguém?  Será que um dia alguém sentirá falta do meu bom dia? Mesmo eu sendo apenas, talvez, mais um velho qualquer, sem nada a fazer, apenas desejando o bom dia para alguns coitados necessitados de um dia realmente melhor. Ficaria sentado acenando para pseudo conhecidos? Cumprimentaria desconhecidos hoje, para me serem amigos amanha?  Aonde será que anda esse velho de boné? Será que agora acorda tarde e eu não mais encontro? Casou? Mudou? Morreu? Aonde está o velho? Pergunto ao guarda-vidas da praia. Ao guardinha, a moça que passeia com o cachorro. Ninguém sabe, ninguém viu. Que velho? Falam uns. Acho que o vi ontem, dizem outros. Mentira! Se eu não vi, ninguém viu. Sigo rotinas, elas não falham. Sempre as 5:45. Cadê o velho? Não fala assim me recrimina a moça por volta dos seus 40. Não é velho. É uma pessoa da melhor idade. Ou então é um senhor idoso. Seja mais respeitoso! E desde quando ser velho é desrespeito a alguém. Envelhecemos! Sempre envelhecemos. A cada dia e a cada momento! E qual o problema disso? Parece-me que quando chamamos o velho, de senhor da melhor idade estamos tentando, nós mesmos, fugir da velhice inexorável que nos afasta da eterna juventude inexistente. Que mal há em ser velho? O velho lobo do mar, o velho filosofo, o velho mestre, a velha anciã. E como seria o título: “ O Velho e o Mar” do Hemingway? Só de  pensar me sinto ridículo. Por que não que aceitar a idade que chega seja algo bom ou ruim? amiúde envelhece-se. As expressões carrancudas de hoje são as rugas de amanhã. Por que não sorrir mais? O medo de envelhecer e de morrer é o esquecimento do viver.  O espelho mostra o retrato diário dos cabelos brancos, dos dentes agora escondidos, e os sorrisos luminosos ficam raros e amarelos e por vingança as rugas passam a fazer parte da fotografia. Esquecer de viver traz de presente cabelos brancos e rugas.  Quantas doenças já foram, quantas ainda virão? Quantas tristezas? Sempre tão maiores que as alegrias. Por quê? Esqueça a doença, esqueça a tristeza e viva! Deixe as pequenas alegrias serem grandes. Os carros e casas, dinheiro e bens dão certa felicidade pois a percepção permite ter por um breve e ínfimo instante capturados na mente os carros, casas dinheiro e bens. Mas a primeira volta pelo quarteirão o carro já não é mais novo. A casa nova já já vai precisar de tinta e de repente o dinheiro no banco acabou. Não quero ter nada disso, não quero ocupar minha percepção de algos tão efêmeros. Prefiro ter em mim muitas alvoradas e crepúsculos, muitos amores, muitos odores e sabores. Quero sentir na pele e em mim a capacidade de a cada dia receber novos saberes, novas habilidades.  Emily dickinson disse: “ o meu cérebro é mais amplo que o céu, pois ele o contém com você ao lado”. Quantos velhos de 80 ou 20 anos esquecem de viver? Quantas gentes pararam de perceber e sentir?

Enfim, procuro a cada dia e não encontro o velho. Aonde está o velho de boné? Preciso me acostumar com a nova paisagem, com a nova rotina, preciso aceitar as novas percepções os novos sentimentos. Não aceito. Não gosto, não quero. Acho que estou ficando velho. Ei olha lá acho que já vi essa gaivota por aqui antes!    

                                                                                                  LUIZ ARIAS 

domingo, 2 de março de 2014

vários


ESPELHO

Hoje atravessei o espelho

E pela imensa rede que liga

Todos os espelhos do mundo

Fui ao do seu quarto

Pude admirar-te enquanto dormias

E ao acordar e espreguiçar

Olhaste para mim

Fiz de suas, as minhas mãos

 Acariciava seus cabelos

Enquanto escovava-os pela manhã

Beijei seus lábios  

Ao sentir o batom contorneando sua boca

 Deslumbrei seu corpo nu

Antes de assentar suas vestes

Mas o desprezo da sua alma a minha

 Manifestava-se ali

Não me vias

Não me sentias

Desesperado e angustiado

Tentei sair dali

Tentei fugir

Vi-me preso

Dentro do vidro espelhado

Mas poderia ser em pensamentos emaranhados

Ou sonhos confusos

Já não sei mais se estou preso no sonho ou no espelho

 O sonho de ter

Reflete no espelho o medo de perder

Nem te tenho e nem te perco

Ao olhar no espelho finjo que te toco

Ao sonhar esqueço que não posso

E ao pular para fora do espelho

Ele quebra

E em mil pedaços  de lembranças

Espedaçadas pelo chão do quarto

Meu amor fica
 
 
kundalini
Sinto a impermanência das coisas e seres
E a ilusão dos fatos
A impressão dos atos
Marcados na pele como cicatrizes
E na alma como tinta que não sai
Do branco papel
Mas o que é ilusão
Senão duas faces
De uma mesma verdade
Da verdade dita por ti
E enxergada por mim
Verdade cega
Que não vê a mentira verdadeira
Fruto da união do será com o talvez
O que esperar então dessa força sincera
Da conjunção carnal e espiritual
De mentes e corpos
Que sobe pela espinha
E termina em um fluxo de orgasmo
Que não sai
Que fica e que alimenta
O que é e o que não será
Esquecido pelo que já foi
Distraído em soluções
Para problemas inexistentes
De dúvidas certas
Em horas erradas
Continuo o caminho torto
Entre a escuridão e a luz
Mantendo a mente reta
E o coração tranquilo
Sereno a turbulência
Com a paz inexistente
Dos meus conflitos internos
 
LIVRO
Prefiro não enumerar as páginas
De minha existência
Melhor escrever a esmo pelo fim ou começo
Acrescentando lembranças
Arrancando dores
Ilustro folhas com fotos
Tiradas com minha mente
Acrescento um pouco de poesia
Aonde não há nada para rir
Rabisco e rasuro
O que quero esquecer
Não me importa o que foi
O que é
Ou o que será
Tudo são fatos mergulhados na memória
Dizem-me o que sou
E se te conheci ontem ou sempre
Tanto faz
O que importa
É que em todas as páginas você  está
 
 
MONTANHA
Hoje sou montanha
Na quietude inabalável de meu ser
Permaneço
Por mais que existam mil vulcões
Dentro de mim
Palavras não entrarão em erupção
Saindo pela minha boca
O tremor de minhas pernas
Será passageiro
Manterei o monte firme e forte
E em silêncio permanecerei
Esperarei sozinho, o sol se por
A lua surgir
Dormirei sob o céu estrelado
Para quem sabe amanhã
Ao cair o primeiro orvalho  
Acordar trovão
Preferia ser vento
A essa monotonia
Essa coisa fria
Desejo ser puro movimento
Gostaria de ser como as águas de um rio
E levar tudo embora
Com a força da correnteza das cachoeiras
E na calmaria das águas paradas
Dar-te de beber e matar a tua sede
Poderia ser fogo
Com labaredas altas   
Todo mal consumir
E com o calor de suas brasas
Aquecer seu corpo em noites de inverno
Mas hoje não
Hoje sou montanha
Na estranha quietude
Da observação
Aceito e contemplo
Espero e durmo
Para quem sabe amanhã, ao cair o primeiro orvalho
 Acordar dragão
 
 
PARANÓIA
Meus pensamentos sem métrica
E sem rima  
São a real sintonia
Daquilo que não entendo
Busco verdades e encontro ilusões
Puras fantasias que não me dizem nada
Quantas bobagens permeiam minha mente
Trazendo sentimentos descontentes
Fazendo os segundos pararem
Oh! Tempo inexorável por que não ages?
Que horas são?
Me interessa saber o exato minuto
De quando devia ser
E depois o aonde já é tarde demais
Já passou, tudo já passou
Agora é apenas hora do café
Lembra? Ainda tomo puro
E você como toma o seu?
Ainda com leite?
Pare com isso menina
Sua cintura continua fina
Pensamentos, sentimentos buscam vazão
Não encontram e me perturbam
Com sonhos e visões
Quantas reflexões,
Melhor seria  
Uma lobotomia
Do que essa imensa melancolia
De ficar horas e horas aguardando
Encontrar você
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014


RIO VERMELHO

Não sei se agrado

Ou se sufoco

Tanto querer perto

Apenas faz afastar

Te digo tudo

Não sei se de jeito bruto

Mas você emudece

Não sei se sorri ou se envaidece

O silêncio me maltrata

Tem cara de adeus

Você diz que isso é intriga

Que fico arranjando briga

E se fecha mais para mim

Daqui a pouco não resta mais nada

Nem silêncio, nem mágoa

Apenas um talvez

Quero então pedir desculpa

Por te amar demais

Desculpa pelo sangue

Que ainda não veio

Que acumula em meu ventre

E faz subir a raiva

E descer lágrimas

De manha faço café para ti

E se não vens

Não te preocupes

Guardo-me para ti

Mais um dia

Quem sabe sem histeria

Ou melancolia

Que o rio vermelho levará

 

 

 

CULPA

Sou forte!

Expresso e demonstro essa força

Mas não para ti

Pude ser quem sou, pude me entregar

Fui sincera, fui plena,

Fui mulher

Sou fria.......mas não para ti

Não admito que me rotules como tal

Porque diabos não me entendes?

Mesmo para ti, as vezes, tenho

Meus momentos de frieza e recolhimento

Queres que finja?

Queres que minta?

Não para ti

Sabes que não consigo

Você arrancou de mim todas as

Masmorras que viviam

Em meu coração

Porque agora...

Insistes em me aprisionar

Em comportamentos reticentes ?

Nem sempre quero ser a mulher

Que te faz feliz

As vezes preciso ser apenas

Eu

De ti...

Apenas o silencio do colo,

Negado....

Porque vomitas tantas palavras

Que lotam o recinto

Deixando-me apertada

Sinto-me expulsa de você

 

CINZAS

 

QUE SAO CINZAS?

A ALMA DO ARTISTA

SUA TELA

OU SUA DOR?

SAO OS SENTIMENTOS

ESCONDIDOS EM SOFRIMENTOS

DAQUILO QUE NAO É

MAS SEMPRE FOI?

AONDE RESIDE A CAIXA DE TINTAS?

ME DE AZUL, ME DE VERDE

QUEM SABE UM POUCO DE VERMELHO

NÃO ENCONTRAVA,

APENAS ASSOMBRAVA

EM RESTOS DE TINTA

AQUILO QUE ERA

VOCÊ É O MEU LARANJA

O AMARELO VIVO DE UM DIA CLARO

SÃO AS CORES PERDIDAS NO FUNDO DA CAIXA

A LUZ BRILHANTE EM MINHA VIDA

A AQUARELA LEVE, COLORIDA E FELIZ

 

A LUA

Para você que não viu a lua

Deixo para ti um pedaço

Do sentimento farto, de um momento inexato

Que deixou minha alma nua

Olhando para ela na escuridão

Senti falta do seu abraço

Meu coração batendo em descompasso

Na triste solidão

Enquanto meus pensamentos

Vagueavam pela imensidão

Por todos os lugares, procurando por ti

Perdido em caminhos sinuosos e tortos

Quis o destino chegar até ai

Para ver a luz da lua refletindo em você dormindo

Pude de leve acariciar seu rosto com um beijo

E como quem espera pelo feito

Vi você se acomodar melhor sob os lençóis

Admirando sua face dormir sorrindo

Esperando despertar para muitos sóis   

 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

OCEANO





OCEANO

Meus pensamentos são como ondas do oceano

Às vezes serenos e calmos

Por muitas outras fortes e turbulentos

Sinto que preciso das forças das ondas do mar aberto

Para ser quem sou

E da tranqüilidade das baías fechadas de águas paradas  

Para manter o que sou

Ah! Essa ressaca que me consome!

Arrastando para a beira da praia

Todos os meus sentimentos

Levando para a mais fina areia

O resultado de minhas náuseas

As águas cristalinas

Hoje são turvas

Pelos mistérios do porvir

Os peixes deixaram de nadar por minhas idéias

E apenas destroços de restos de qualquer coisa

Bóiam em minha mente turbulenta

Ah! Netuno! Ah! Yemanja!

Ou qualquer outro santo

Que me ouça

Me de a serenidade

De um mar tranqüilo

Para navegar 
 
 

CARANGUEJO


CARANGUEJO

Um grande ufa

Pela caminhada exaustiva

Cheguei às pedras

Lá, escondido ou camuflado

Um pequeno crustáceo

Escondendo-se ou camuflando-se

De mim

Às vezes também não sei

Se me escondo ou se me camuflo

Vem a onda, e o pequenino foge

 Agarra-se as pedras

Escondo sentimentos e verdades

Pensamentos e mentiras

Agarro-me ao cômodo

O que esconde

O meu novo e temeroso

Amigo?

Será do monstro visto em mim

 Sem capacidade para se opor?

Eu com tantos medos e temores

Pondo medo em alguém

Qua, qua, qua

Que covarde sou eu

Com medo de alguém do meu tamanho

Com medo de ti

Não, definitivamente não

 

Medo dos sentimentos despertos por ti

Medo de dizer que és minha amada

E ouvir sonora gargalhada

Da boca desejada

Que covarde sou eu

Apenas enfrento o mar

 Em relação à variação de temperatura

Mas minha têmpora dura

Prefere o silêncio

À ousadia 

Mais uma onda

Muito forte, me molha e derruba meu companheiro

A maré o leva embora

Tantos pensamentos e sentimentos

Indo e vindo

Como as ondas do mar

O que será que pensa

O caranguejo

Devia perguntar

Não é mais possível

A onda o levou embora

Adeus

Que espero

Nunca te dar

O VOO DA FENIX AZUL


O VOO DA FENIX AZUL

Adormecida pelos sedativos da vida

Eis que surge linda

Erguendo-se aos céus

Não veio das cinzas

Mas trás no peito seu calor

A força do fogo que aquece

E a rapidez da brasa desperta o amor

Serena e calma como uma prece

Violenta e brava ao dissabor

Livre, fugaz

Faz do céu seu caminho

As estrelas seus guias

E o vento forte seu motor

Seus olhos emitem a força e a vontade

Sua voz provoca o desejo

Deixa saudade

Cria lampejos de alegria e de dor

Fênix azul suba aos céus

E vá buscar

Os segredos do sol, para me dar

Oh! Fênix azul

Desça ao chão

E vá procurar 

Pelas matas e florestas

As ervas e frutos para acalmar

E as feridas fechadas e abertas,  aliviar

Mergulhe profundo em rios

Traga a mais doce água que houver

Para sanar calafrios

E matar a sede

Que brota de corações vazios

De sentimentos plenos

E sem sentidos

Mas que fazem a vida

Valer a pena

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

DE VOLTA


ABSOLUTO SILÊNCIO

 

Quero te olhar nos olhos

E face a face

Em um abraço, ficar  

Dentro de você

E vivenciar todo o silêncio do mundo

Calar todos os gemidos

Suspender o barulho da respiração

Sentir o calor subindo por nossa pele

Grudados e apertados

Sentiremos nossos corações batendo

Como se fossem um

Quero um silêncio profundo

Que seja até possível ouvir nossos pensamentos

E nesse absoluto silêncio

Você ouviria minha alma gritar

Eu amo você

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013